sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Transportes Públicos – Parte III ( e já chega de parvoíce )




Não sei se já tinha referido o facto de não gostar de transportes públicos. Se não tinha referido vou deixar isso bem claro: Não gosto de transportes públicos.
São sítios estranhos, com pessoas estranhas, e tem um cheiro estranho.

No outro dia entrei no autocarro, e este estava praticamente vazio. Sentei-me lá atrás para não me chatearem. Mas quem é que te chateia no autocarro? Boa pergunta. De facto, ninguém me vem chatear quando não me conhecem. Mas pelo sim pelo não vou lá para atrás, para o pé das girafas e dos macacos – que são pessoas que nunca fizeram mal a ninguém.
Sento-me, e nas costas do banco da frente estão vários nomes e hieróglifos cravados a tinta negra.

“Zé Navalhas Naifas Manfas”

Era uma das inscrições. Chamam-lhes “tag”, eu chamo ser parvo, mais uma vez. Foi uma das coisas que sempre me fez confusão – o facto de escreverem os nomes ou então as alcunhas em sítios públicos. Neste caso o nome.
Pura e simplesmente não sei qual é o objectivo. Será que saiu alguma lei que afirma que ao escrever o nome num objecto este passa a pertencer-nos? Não ouvi nas notícias pelo menos. Nem nos morangos, onde existem inúmeros adeptos desta prática.

“Amo-te Vánessa Júlia”

É outra das inscrições com que me deparo. O senhor que escreveu isto tem claramente reduzidos níveis de conhecimento quer a nível de língua portuguesa, quer a nível de probabilidades. O facto de chamar “Vánessa” não significa que se escreva com acento.
A questão das probabilidade é muito simples. Eu vou ser muito, muito modesto e vou imaginar que existem apenas 200 autocarros na rede de transportes. Admitindo que cada um tem 40 lugares, isso prefaz um total de 8000 assentos. Será que ele sabe que a probabilidade da Vánessa Júlia se sentar naquele preciso banco onde ele está é de aproximadamente 0.000125 ? O professor Mantumba diz que ele não sabe disso. Eu acredito.
Não será mais fácil ele deslocar-se à localidade onde a senhora reside e dizer-lhe directamente isso? Compreendo que tenha vergonha ou timidez nessa acção. A vergonha que tem nesse caso é a que lhe falta quando escreve nos autocarros. Como a probabilidade de ela ver a mensagem de amor é bastante reduzida o que é que o sujeito decide fazer? Escrever em todos os bancos de todos os autocarros.
Bem pensado, aumenta bastante a probabilidade.

Os indivíduos de 14 anos de que falei há dias entram na viatura e sentam-se exactamente à minha frente. Má escolha.
Sentam-se e começam a mexer nos 3 telemóveis que cada um possui, a enviar mensagens para as 7 namoradas, que igualmente, cada um possui. Note-se que possam haver aí duas ou três namoradas em comum.
- Pah..a sério já me tou a passar com a p*** da minha mãe, não me deixa fazer a m**** do piercing no nariz.
- Aich granda cena man, pah tipo...digo-te tipo nao sei meu, mas pah ve la essa cena...tipo...
- Ya eu sei. Foi o que eu lhe disse mas ela insiste que isso são cenas de deliquentes...
- Pah tipo...ja sei...so se fizesses isso às escondidas e mantivesses isso escondido da gaja uma beca...
- Pah ya mas é no nariz...não dá muita cana?
- Pah tipo cenas, tipo ya mas não. Pah ja sei...podias tipo apagar as luzes de casa enquanto tas lá e ela assim não te vê...
- Aich man, ouve...bue bem pensado. Granda marrão..
- Pah...nao sou nada...
- Nah que eu nao vi o 11 matemática no outro dia nao...
- Pah isso foi porque meti as cabulas todas nos meus telemoveis...
- Aich fogo bue bem pensado...mas voltando ao assunto que interessa, ela depois ao fim de uma beca nao vai notar? É que a gaja vai achar bue estranho tudo às escuras...
- Pah ya mas sempre podes aguentar uns meses assim...e quando ela descobrir..pah...nada a fazer...ela também nao to vai arrancar acho eu...
- Pah nao sei, com a minha irmã foi granda cena...quando ela fez o dela no umbigo o meu pai arrancou-lhe aquela m****....e depois disseram-lhe que aquilo podia fazer mal ao bébé...foi granda cena
- Tao mas que idade tem a tua irmã?
- Pah fez a semana passada 16...
- Ah ja teve o puto...pensei que ja o tivesse tido aos 14, ela andava ai toda inchada...
- Nah dessa vez abortou...
- Ah tasse bem...

Depois disto, as minhas pernas cambalearam um pouco, em busca do meu cérebro que deveria estar algures espalhado nos vidros da viatura.
Saio do autocarro e avisto um belo automóvel. Preto. Brilhante. Uma autêntica obra de arte da mecânica e do design automóvel. Aproximo-me, cauteloso, para observar melhor a relíquia e encosto as mãos ao vidro, e de seguida o rosto, na tentativa de ver melhor o interior da máquina. Como toda a gente gosta de fazer. E depois olha-se para o velocímetro, para ver quanto é que o animal bate. Batia os 470, ou pelo menos é o que indicava.
Nisto lembro-me das assinaturas nos assentos de autocarros. Então, numa nobre tentativa de furto, saco das minha chaves de casa e num subtil movimento desenho as palavras “Fábio” na porta do carro. Escrevo com força, que é para não haver dúvidas. Quando finalizo, reparo que o meu nome ficava muito bem na viatura e não percebo porque é que não se fazem carros com o meu nome inscrito. Então numa tentativa desesperada, tento abrir a porta do automóvel, para ver se era de facto meu, como mandava a lei. Mas um forte puxão sem sucesso indica-me que este se encontrava fechado.
- Bah...já sabia que devia ser mentira – pensava eu desiludido.
Neste preciso instante sinto como que uma pedrinha na cabeça. Como se alguém me tivesse lançado um minúsculo e, incrivelmente, leve calhau à testa. Afinal era uma estrelita. Apenas um bago feito de cereais. Viro-me para ver quem teria sido o autor de tamanha estupidez, e para meu espanto, surgia perante os meus olhos, o meu amigo Chewbacca, que no outro dia me acompanhou no autocarro. Este aproxima-se da viatura, pousa a taça de cereais ,que ainda comia, em cima do tejadilho e passa os dedos peludos sobre a assinatura que eu gentilmente lhe tinha oferecido. Depois olha de forma triste, como quem diz “isto não se faz”. Ainda tinha pingas de leite a caírem-lhe dos bigodes. O meu primeiro pensamento remetia para um pedido de desculpas. Pensamento que foi rapidamente esquecido quando o senhor saca de um sabre do luz e o empunha à frente dos meus olhos para mostrar quem é que mandava ali. E era ele, de facto.
Começo a fugir rua abaixo, não vá o senhor matar-me. Ele começa a correr que nem um desalmado e é então que surgem os putos dos telemóveis, que rapidamente empunham todos os aparelhos electrónicos que possuíam e fizeram uma mega bola de radiação que apontaram na direcção do Chewie. Rapidamente lhe cresceram pernas no lugar dos olhos, e desta forma era complicado prosseguir a sua perseguição. A tentativa de vingança morria ali, naquele momento. Eu respirava de alívio. Não me agradava muito a ideia de ir falar com indivíduos que chamam "gaja" à mãe, mas tinha de dizer qualquer coisa. E como não sabia o que fazer, decido como gesto agradecimento oferecer um telemóvel a cada um dos diabretes.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho que dizer que este é dos melhores posts do blog e nao tinha nenhum comentario, portanto...